quinta-feira, 12 de junho de 2008

"Se eu perder esse trem ..."

Por Fernanda Valle & Erika CoutinhoBem, eu (Fernanda) nunca tinha andado de trem. Como poderia eu falar algo que não me traz recordações nem boas e nem ruins? Minha colega e eu pegamos o ônibus Circular e descemos na Praça da Estação. Estávamos lá bastante empolgadas querendo descobrir tudo ou nem tudo. Queríamos apenas matar a "pequena" curiosidade ou fazer essa matéria que você está lendo agora, indo a Estação João Felipe. Porém, ter feito esse percurso trouxe à tona uma realidade de uma viagem exaustiva e enfadonha, pelo menos para mim. A minha colega Érica parecia tão Zen e eu tão chocada. Até chegar lá ainda não sabíamos o que estava por vir. Foram momentos tristes e angustiantes que eu não sabia se desistisse dessa profissão que agora considero um pouco perigosa por causa daqueles momentos que pareciam ir dar uma volta no próximo século. A experiência similar não espero repetir tão cedo ou nunca mais até. Dizem por aí que o que vale é o aprendizado, entretanto, eu não me conformo. Essa matéria é mais que uma experiência para nós jornalistas que queremos o diploma e aqueles já bem “passados na casca do alho”. Ela é uma denúncia de algo ausente em nossa sociedade também. Todo poder está onipotente. É, claro! Com certeza eles nunca tiveram que pegar "o trem". Mas, logo em seguida veremos que não é bem assim. Então, peguem o trem agora! Era aquele período da tarde, o sol esquentando na nossa cara e a gente pedindo para lua chegar mais cedo. Estávamos muito envolvidas e desejosas em saber como estava a situação dos trens de Fortaleza até a remota Maracanaú. Pronto! Tínhamos acabado de descer do ônibus. Um caminho quase que sem volta. Entramos na Estação João Felipe e observamos de cara pautas surpreendentes: histórias de vida, segurança, sindicatos, comércio e etc. Eu disse: Nossa, como tem o que explorar por aqui. Mas, calma aí! Estávamos à beira de explodir com tanta informação na cabeça. Decidimos direcionar a matéria por um caminho. Mas, que caminho é esse que não tínhamos nem comprado o bilhete do trem ainda? Perguntamos a que horas saía o próximo trem para Maracanaú e meu Deus, que sorte a nossa, não? Imaginem só! A moça simpática me disse: Somente daqui a uma hora. Aproveitamos o tempo que tivemos para observar os lugares e as pessoas. Mas, nós queríamos mais. Queríamos saber tudo que acontecia por lá. E os trilhos esperavam mais, eles queriam mais e eu não sabia. Podem esperar! Ainda não serão as estrelas do meu diarinho de anotações. Porque tem trilhos e trilhos antes da grande viagem. Peeense! Como diz o bom e natural cearense! Há histórias aqui que queremos revelar sobre tudo o que eu vimos e ouvimos, mas outras eu preferiria deletar que foi a minha própria experiência pessoal. Pedimos ao leitor mais atento que se tiver pulso firme pode ler. Aquele que tem receio e medo, por favor, não continue lendo. De início pensei, particularmente, que estivesse revivendo a minha infância. Parecia com uma música da Xuxa: "O trem fantasma então parooou". Foi tão ruim assim? Digamos que metade sim e metade não...Falamos com várias pessoas para saber o porquê da utilização por eles de um trem se temos meios de transportes, como ônibus e táxis bem mais disponíveis e modernos e confortáveis na cidade. O que podemos constatar é que as pessoas precisam daquele meio de transporte, principalmente naquele horário da tarde para chegar ao trabalho ou voltar do trabalho. Esses trens que partem do Centro da cidade até Maracanaú estão com uma aparência de abandono e há passageiros que precisam desse transporte para fazer suas grandes viagens rumo ao emprego, rumo a sua família, ou simplesmente, por ser o transporte mais barato. Podemos dizer que se tratam das pessoas que são mais vulneráveis ou hipossuficientes nas relações de consumo, como nossas queridas secretárias domésticas, dentre outros, dos cozinheiros, dos faxineiros, dos garis, dos pedreiros e dos aposentados. Se temos uma passagem de ônibus que custa quase 2 reais a inteira, no trem temos a de 1 real. Pois é, a metade do preço. Vale dizer que, quem tem a carteira de estudante paga 50 centavos. Viva o trem acabado que leva tanta gente e ainda é alvo da depredação popular! Viva! Como eles sobrevivem? Bom, pago o bilhete e tendo observado várias coisas ao nosso redor, eu e minha colega partimos de trem até o destino Maracanaú. Entre pessoas humildes, idosas e crianças com carinhas que davam pena (acredito que pela feição tinham passado o dia trabalhando forçadamente para não dizer escravamente), a gente observava que não era fácil para elas aquela rotina. São quase duas horas de sufoco! Gente, o que são sendo transportados ali não são indigentes. Somos nós mesmos, seres humanos. Senti-me um animal, para não dizer um porco. A Érica se sentiu um frango. Mas, enfim, sendo transportado para o local de confinamento e em condições que não dá para ver que aquilo estava acontecendo mesmo de fato. O trem estava sujo e mal cuidado. Opa! O que também quisemos incluir aqui é que era muito quente dentro daquele vagão. Ah, podemos contar que calor não fazia falta naquela hora, mas era “Presença de Anita”. Era: Calor, ne me quitte pas. O que denunciar? Ops, falar então dos assentos desconfortáveis? Era um incômodo para a dupla, imagine para quem é idoso, tem crianças pequenas, tem problemas de coluna e tem que pegar o trem todo santo dia? Além das portas dos vagões sempre abertas. Escancaradas, seria o termo?! Conta? Se tivesse um suicida lá dentro ou então alguém com uma mente para cometer a ilegalidade plena de jogar alguém ali de cima? Estava feita a festa ou não, personas? Imaginem essas crianças que no espaço de tempo em que estivemos lá tinham a coragem de ficar na porta olhando para o lado de fora? Que horror! Acreditamos que ia facilitar bastante a pulada. Ah, não! Ah, fala sério! Quem disser que adora essa situação estará fatalmente mentindo ou se iludindo. C’mon, people!Então! A-ham! É só isso? Não, querido. Querido, não! O pior é ver tudo isso e achar que está allright a là Tio Sam. O terror ainda estava por vir e acontecer principalmente comigo e com a minha parceira na matéria. Não vou omitir detalhes, não exijo punição, mas o que queremos descrever aqui é realmente ou totalmente non-stop-non-sense? Gostaram do trocadilho?Vamos nessa, então, não é? Vamos aos fatos! Estávamos lá eu e a minha colega quase Zen coletando, observando e tirando o maior proveito para fazer uma matéria digna de apreciação do público e com o maior prazer de trazer muita informação. O trem que já tinha condições precárias, pessoas exaustas e um fedor de ração estragada em certas paradas, como em Acaracuzinho, ficou mais desagradável quando eu, particularmente, fui abordada por um policial ferroviário, que preferimos não identificar. Era “a situação” que a matéria precisava para ter validade total da indiferença, do descaso, do despreparo do setor público com o transporte coletivo ou até de maneira geral em prestar serviços que nos mantenham pelo menos o mínimo que as pessoas tem direito. Acredito que vivemos em uma democracia, então a quase jornalista pode falar? Estávamos sentadas e já tínhamos falado com algumas pessoas daquele vagão, tirado fotos, como manda o figurino de um jornalista. Certo. Fui abordada com a seguinte frase: - O que você está fazendo? Fernanda: Sou aluna do último semestre do curso de jornalismo da Unifor. E estou fazendo uma matéria sobre os trens dessa Estação para um trabalho da Universidade. - Não pode fazer isso aqui dentro do vagão.- Desculpa, mas eu não sabia. Mas, por que mesmo, hein? (Até pensei que você queria ser entrevistado).- Não pode entrevistar as pessoas aqui dentro do vagão. Isso é proibido porque tem uma cláusula ... (mas, não explicava de que lei vinha essa tal cláusula, ou seja, querendo falar bonito).- Sou policial e só estou te alertando que isso não pode.Ao mesmo tempo em que dizia estar só alertando, colocava a mão sutilmente sobre a arma e ao mesmo tempo sobre o cacetete que se fazia visível a altura da sua cintura. E fez esse gesto repetidas vezes, eu me senti ofendida e coagida no meu direito de locomoção tão garantido pela Constituição. Apesar de eu ter justificado o porquê, ele ficou repetindo que eu teria que ter uma autorização, as vezes, ora da Universidade, ora dos diretores da Estação. Na realidade não se intenção dele era outra a que não a de mostrar a proibição, e sim configurando uma tortura psicológica, chegando eu quase a chorar porque não estava sendo tratada com dignidade e respeito como pessoa e como profissional. Jornalista sofre, viu? E eu sabia disso? Pouco, talvez. No entanto, enfatizei para ele que é livre a manifestação do pensamento, e o que ele estava dizendo feria princípio da dignidade humana, em relação a direito individual de ir, vir e permanecer, além do direito de expressão e informação que qualquer pessoa que estava ali no vagão poderia me conceder para essa entrevista. Enfatizei também que ele estava abusando do poder de polícia, em razão da função de Policial Ferroviário e ele sabia não poder agir daquela forma porque o que ele estava fazendo configurava uma coação. Ao perceber o erro, quando eu insisti em dizer que ele não podia agir daquele jeito e que de alguma forma ele deveria saber sobre as leis, pelo menos o básico, já que era um policial. Depois o mesmo quis consertar e oferecendo para ser entrevistado, como forma de se eximir da culpa. Seria? E todos que estavam ali presentes assistiram ao fato. Não aceitei por não ter mais sentido e sintonia emocional para isso, principalmente a ele mesmo. A minha colega só vendo tudo atônita e sem saber o que fazer na hora. E na hora da volta, hein? Em Várzea Alegre, concorrendo o barulho dos trens, um pastor entusiasta ou profissional pregava a “palavra do Senhor” sem saber se estava sendo agradável ou não dizendo aquilo. Isso era de enlouquecer qualquer pessoa mais normal possível. Percebemos a inquietação dos passageiros que pareciam estar bastante cansados, por terem trabalhado o dia inteiro e ainda ter que ouvir “o sermão” por mais quase que uma hora.A felicidade que sentimos foi sair do trem e daquele “sonho” maluco. Mas, também tem o seu lado positivo. Quando ao observar pessoas, ou seja, observar comportamentos vemos que nem todos são iguais. Há pessoas gentis e pessoas sofridas também. Logo ali na entrada da Estação, Vimos comerciantes que se sustentam porque dependem dessa renda para viver. Quer dizer, são pessoas que também geram renda e estão ali porque o espaço foi cedido, não de graça, mas foi cedido direito de viver através do empenho no trabalho. Os nossos vagões cearenses podem não ter luxo, mas tem jóias raras que agüentam todo dia aquele sufoco e aquele estresse. Não é nada atrativo e nem nada perfeito, “como tudo na vida”, como diz o especialista e diretor de filmes Woody Allen, mas a formosura está em descobrir naqueles rotinhos uma nova forma de pensar na nossa sociedade e o que pode ser feito para deixar ela mais em harmonia e sem contrastes. É vendo o errado que talvez se chegue a um terreno fértil da bonança.

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